terça-feira, 3 de abril de 2012

Maria da vala

Existe uma coisa, que pode ser grande ou pequena, sã ou insana, entrega ou razão, que divide em dois planos o imaginário e a realidade. Talvez o maior sinal de que o imaginário começa a avançar o território da realidade, seja a quantidade excessiva de momentos perdidos, planejando, sonhando ou desejando outros, que estão no imaginário. Que prazer visualizar momentos perfeitos, atitudes incríveis e sensações inesquecíveis. Mas sensação é algo que se visualiza ou se sente?

Maria via em Mauro o kit embalado em conservante de todas as qualidades e interesses que ela respeitava. Não o conhecia, mas sabia quais músicas, filmes e futilidades o faziam ser o que é. Nunca ficara mais do que cinco minutos no mesmo ambiente que ele, mas reconheceria sua voz mesmo que no sussurro mais distante. Perdeu as contas da quantidade de vezes que se desligou da mesa do bar, se esqueceu de piscar e imaginou como alguém que acabara de entrar andava de um jeito parecido com o de Mauro.

Sempre na arquibancada da torcida pelo acaso, nunca encontrou Mauro sem querer. Esperava, planejava e, no fim, só mais uma noite na vala entre os dois planos. Nem aqui, nem acolá.

De tanto esperar, sem sair do lugar nem mudar de opinião, enrijeceu. Por algum tempo (não se sabe quanto), não houve guincho nesse mundo que tirasse Maria da vala. O plano imaginário já não fazia sentido e na realidade não ouvia a voz de Mauro, só o lia.

O amor platônico é o amor perfeito. Inabalável, incondicional e inatingível. Um passo a frente, a cara pra bater, põe em risco toda essa culminância. Ao ansiar por Mauro no plano da imaginação, Maria nunca foi abandonada, não se decepcionou e muito menos se arrependeu. Envolvida pelo encanto de palavras que não foram ouvidas, toques que não sentiu e bebidas não compartilhadas, Maria não existiu e Mauro continua em conserva, protegido de si mesmo.

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