terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Minha casa

Estragaram a minha casa. Não a casa onde durmo, tomo banho, como, vivo.  Falo de outra, no caminho desta.

Até então, esperar naquele “pare” após o McDonald’s não era um martírio, pois ela estava lá. Pilares de concreto sustentando os traços retos, extremidades de uma das maiores sacadas que já vi. As portas de vidro revelavam seu precioso segredo: uma cachoeira de luz que descia da claraboia central. Quanta vida.

A primeira vez que li “vende-se” no portão fui pega por um suspiro. Quem seria o sortudo a percorrer seus cômodos? Eu colocaria uma mesa redonda na varanda, que é para o papo viajar além do relógio. Café fresco, jardim verdinho, portas escancaradas.

Pensei em usar um chapéu e óculos com bigode, fingindo interesse em comprá-la, só para conhecê-la de perto, de dentro. Mas não o fiz. Até que a placa sumiu.

No último domingo a paisagem mudou. Não por que escolhi outra rua ou um semáforo ao invés do “pare”. Olhei para a direita, nenhum carro. Para a esquerda, livre. Mas, prestes a acelerar novamente, o tônus muscular do meu rosto se foi. Com o queixo pendurado, demorei mais do que devia. Deformaram minha casa dos sonhos. Da noite para o dia.

A sacada já não existe mais. Fechada com concreto, deu lugar para cubículos comerciais. Já não é possível ver a claraboia, entre caçambas e entulhos. Sua peculiaridade foi transformada em uma grande caixa de sapatos. Quem a comprou não a amava tanto quanto eu. Fez um bom negócio.

Só pra te contar, o caminho não é o mesmo sem você. Corro o risco de me acidentar, mas atravesso rápido, pois dói olhar no que te transformaram. Logo você, parte do meu dia. Agora é como todas as outras na cidade. Tijolos, marcas, aluguéis. 

Assim como ninguém quer se lembrar de um ente querido estático no caixão, prefiro guarda-la viva em minha memória. Escolho outra rua, perco horas no trânsito, mas fujo de você. Antes que te instalem um letreiro gigante, com slogan tão clichê, que me faça esquecer.