terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Rebeca e seu "Peido"


Não satisfeito com a última garfada do macarrão, Pedro lambeu todo o molho do prato, como um cachorro vira-lata. “Tem molho no seu nariz, no seu queixo e na sua orelha direita”, alertou Rebeca, ao entrar no quarto.

Rebeca e Pedro namoram há sete meses e, talvez pelo fato de ela dormir no apartamento dele na maior parte das noites, a sensação é de que se conhecem a vida inteira.

Ela se ajoelhou na cama ao lado de Pedro e lambeu o molho que restava em seu rosto. O prato foi colocado com os demais, embaixo da cama.

Toda vez que vai ao banheiro, não importa qual seja a finalidade, Pedro não fecha a porta. Certa manhã Rebeca entrou para entregar-lhe uma xícara de café e admitiu que o achava lindo e frágil sentado no vaso.

Campeonato de gases, limpeza do nariz alheio, comida com data de validade vencida, uma escova de dentes para duas bocas, uma toalha para dois corpos. Assim os pequenos momentos da rotina em comum são construídos, sem planejamento ou gasto de energia ao depositar atenção aos detalhes. Nem ao menos àqueles considerados higiênicos.

Nos 27,72 m² que dividem com mais regularidade do que o avaliado como normal, o uniforme é calcinha e camiseta furada para ela, cueca sem elástico para ele. Tentaram calças de moletom em uma noite fria, mas preferiram dividir um garrafão de vinho barato.

Aos olhos dos familiares e amigos, os costumes do casal são classificados em uma escala que vai de peculiar a repugnante. Depende do gosto do cliente. Veja bem, não se importar é um exercício diário. Rebeca não tem tempo para ouvir suas amigas apelidarem Pedro de “Peido” por que está feliz demais. Pedro, por sua vez, não compra um pente por que Rebeca elogia seu cabelo bagunçado. A falta de interesse pela opinião alheia é o ingrediente principal de um amor diferente e, por que não, levemente malcheiroso. Mas essa é só a minha opinião.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Sophie e Marvin dos Titãs


Sentada sozinha naquele restaurante, rodeada de toalhas brancas e som de talheres batendo, mergulhou no cardápio e, após fazer a sua escolha com calma, notou os olhares. Casais, grupos de amigos e famílias a observavam carregando a sombra da aflição em seus olhos. Era noite de sexta-feira e a sua única companhia naquele restaurante caro era um livro. E daí? Se estivesse em um café em Paris seria chique.

Até os amigos mais antigos já desistiram de convidá-la para seus programas e momentos de perdição. Não apenas pelos “nãos” recebidos, mas por sentirem que sua presença era semelhante à de uma mãe ou tia, sempre pedindo que tenham cuidado, puxem os freios e eliminem o perigo da espontaneidade na madrugada.

Sophie nasceu há apenas 23 anos, mas, ao se deitar na cama, faz a conta nos dedos dos pés e das mãos para ter certeza disso. Sente-se como se tivesse 50. As lembranças da infância e da liberdade foram engolidas pelo dia em que se tornou adulta, aos 15 anos, com a morte de seu pai. Não teve tempo de chorar nem questionar, apenas assinou a papelada, foi emancipada, entrou na fila do banco, pesquisou o valor do imóvel, consolou a mãe, comparou o valor do feijão no mercado da esquina com o do armazém e tentou correr para alcançar a vida que lhe fugia dia após dia.

Tem certeza de que parece um quadro torto ao lado das garotas aparentemente semelhantes. A vergonha ainda toma conta de si ao ser obrigada a admitir que prefere ficar sozinha com uma caneca (caneca, não xícara) de café preto e um livro, do que estar em um cubículo escuro com som alto e pessoas desconhecidas tropeçando em seus pés.

Ao voltar pra casa se depara com a mãe adormecida no sofá e a televisão ligada. Desliga o aparelho, cobre-a com um cobertor perfumado, lava a louça, checa se todas as janelas e portas estão fechadas, coloca a pilha de contas a pagar na bolsa e se senta sozinha no escuro. Secretamente, deseja ter tempo para pensar só em si mesma. Adoraria conhecer outras cidades, outras culturas, mas não pode deixar a mãe sozinha. Adoraria arriscar trabalhar com algo que gosta, mas não pode dispensar o pequeno salário que recebe no fim do mês e sustenta essa casa. Então, logo em seguida, sente-se culpada e egoísta por pensar em si. Adormece e sonha com o dia em que caiu da balança no parquinho e, na velocidade de uma piscada, foi socorrida por três pessoas diferentes. Abraça o próprio corpo, acalentada pela posição de protegida, ao invés do frio que há no cargo de proteção.