terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Sophie e Marvin dos Titãs


Sentada sozinha naquele restaurante, rodeada de toalhas brancas e som de talheres batendo, mergulhou no cardápio e, após fazer a sua escolha com calma, notou os olhares. Casais, grupos de amigos e famílias a observavam carregando a sombra da aflição em seus olhos. Era noite de sexta-feira e a sua única companhia naquele restaurante caro era um livro. E daí? Se estivesse em um café em Paris seria chique.

Até os amigos mais antigos já desistiram de convidá-la para seus programas e momentos de perdição. Não apenas pelos “nãos” recebidos, mas por sentirem que sua presença era semelhante à de uma mãe ou tia, sempre pedindo que tenham cuidado, puxem os freios e eliminem o perigo da espontaneidade na madrugada.

Sophie nasceu há apenas 23 anos, mas, ao se deitar na cama, faz a conta nos dedos dos pés e das mãos para ter certeza disso. Sente-se como se tivesse 50. As lembranças da infância e da liberdade foram engolidas pelo dia em que se tornou adulta, aos 15 anos, com a morte de seu pai. Não teve tempo de chorar nem questionar, apenas assinou a papelada, foi emancipada, entrou na fila do banco, pesquisou o valor do imóvel, consolou a mãe, comparou o valor do feijão no mercado da esquina com o do armazém e tentou correr para alcançar a vida que lhe fugia dia após dia.

Tem certeza de que parece um quadro torto ao lado das garotas aparentemente semelhantes. A vergonha ainda toma conta de si ao ser obrigada a admitir que prefere ficar sozinha com uma caneca (caneca, não xícara) de café preto e um livro, do que estar em um cubículo escuro com som alto e pessoas desconhecidas tropeçando em seus pés.

Ao voltar pra casa se depara com a mãe adormecida no sofá e a televisão ligada. Desliga o aparelho, cobre-a com um cobertor perfumado, lava a louça, checa se todas as janelas e portas estão fechadas, coloca a pilha de contas a pagar na bolsa e se senta sozinha no escuro. Secretamente, deseja ter tempo para pensar só em si mesma. Adoraria conhecer outras cidades, outras culturas, mas não pode deixar a mãe sozinha. Adoraria arriscar trabalhar com algo que gosta, mas não pode dispensar o pequeno salário que recebe no fim do mês e sustenta essa casa. Então, logo em seguida, sente-se culpada e egoísta por pensar em si. Adormece e sonha com o dia em que caiu da balança no parquinho e, na velocidade de uma piscada, foi socorrida por três pessoas diferentes. Abraça o próprio corpo, acalentada pela posição de protegida, ao invés do frio que há no cargo de proteção.

2 comentários:

  1. tão triste crescer antes da hora, ter que se adaptar à realidade que nunca sonharia e esquecer dos sonhos que nutria. você escreve umas coisas que me lembram certos momentos da minha vida que já escrevi muito sobre, hoje não mais. que agonia. haha e muito bacana!

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  2. Amo Marvin. Sempre mexeu muito comigo. E seu texto, ahh, que delícia de ler!

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