terça-feira, 16 de abril de 2013

Medo do escuro


O encontro da porta com o batente emitiu um som leve, seguido do tilintar das chaves dançando no buraco da fechadura. Habituada pelo medo que sente do escuro, acendeu todas as luzes da casa e aumentou o volume da música. Lembrou-se da mãe que, para solidarizar-se com a sua aflição infantil, contou que costumava cantar “Atirei o pau no gato” bem alto, ao caminhar no breu de sua infância. Com os olhos semicerrados e as mãos cobrindo os ouvidos, atravessou o corredor até seu quarto em passos rápidos. “Atirei o pau no gato tô, mas o gato tô, não morreu reu reu”...

Geralmente, ao saber antecipadamente que ficaria sozinha, convidava uma amiga ou namorado para fazer companhia e se distrair. Daquela vez não foi diferente. Porém, já não namorava ninguém e, diferente de anos atrás, só tinha duas amigas, ocupadas e indisponíveis. Sua única companhia era a TV a cabo e uma caixa de chocolates. Companhias pelas quais pagou. Afinal, existe companhia gratuita ou há sempre um preço? Ao ouvir alguém triste, sentia pena. Com alguém feliz, insatisfeita.

Durante as reuniões e cafés no trabalho, senta-se com a coluna ereta, sua fala é acompanhada por gestos enfáticos e a voz sai firme de seus lábios. Na escola, era sempre a primeira a ser escolhida nas aulas de educação física, amiga de todos os esportes. Líder, apresenta solução e guia o grupo. Sozinha, não sabe quem é.

No escuro seus defeitos brilham diante dos olhos. Sem ninguém para ouvir sobre a certeza, duvida das próprias escolhas. Não há nada capaz de lhe tirar de dentro de si. Seu segredo é revelado cada vez em que a luz se apaga e a companhia se torna silêncio. A solidão é o convite para ser apresentada a si mesma, com a coluna torta, a voz trêmula e o medo de errar o passo.

Saltando ferozmente de canal em canal, desiste. Na sacada, olhando para a rua viva lá embaixo, tem o rosto preso pela tela de fios de nylon. A proteção conforta, mas limita seu campo de visão. Em um impulso invisível, corta as extremidades da tela, uma por uma. Já não existem losangos dividindo o horizonte. Sente-se livre dentro da própria prisão. Com a luz apagada, sem ninguém por perto nem nada a provar, é dona de si, com uma tesoura nas mãos.

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