quinta-feira, 19 de setembro de 2013

João do brilho

João desliza o pano do farol traseiro até o dianteiro, deixando um rastro de brilho. Surfa com os dedos. Devagar. Acaricia o B, o M e depois o W. Gosta de deixar a melhor parte para o final. Com fones de ouvido, se vê com o teto solar aberto, a serra verde e o mar logo abaixo. Sua mulher reclamando do vento enquanto segura os cabelos, o sol queimando seu braço esquerdo, que dança do lado de fora. As costas afagadas pelo couro, os óculos escuros no rosto. Cantando alto.
A mão pesada que toca seu ombro em sinal de alerta funciona como um pneu furado. 

João cuida daquilo que nunca poderá ser seu. Passa seus dias dentro de um furacão de folhas de cheque, jaquetas de couro e brincos de pedras coloridas. Preciosas, imagina. É invisível em meio aos astros do salão. Uma estrela apagada.

Afinal, o que é um carro? Peças engenhosas que, juntas, nos levam de um lugar até o outro? “Só existem três daquele modelo ali no Brasil, a senhora acredita?”, João responde. “Imagina ser um desses três caboclos? Cê tá é doido, eu vendia até minha mãe e morava dentro dele, de tanto luxo que é”.
Após ouvir o vendedor enumerar suas funcionalidades (só falta uma máquina de café expresso no porta-luvas), uma senhora com cheiro de laquê elogia o brilho da lataria preta. De longe, João sorri.

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