quarta-feira, 11 de abril de 2012

Os barcos estão órfãos

Desde que saíra de Americana para morar no Guarujá, a pele de Seu Wladimir ficara ainda mais morena. Um belo contraste com os cabelos grisalhos. Agrada-lhe fazer esporádicas caminhadas matinais para cuidar da saúde, e beber um whiskynho noturno, que ninguém é de ferro.

Férias e feriado prolongado são sinônimos de casa cheia. A filha e as netas são presenças garantidas, que confortam seu coração com carinho cada vez que ouve o apelido, ‘Dido’. Apelido que o filho transmitiu ao seu primeiro neto homem, que acha graça na risada rouca do avô da praia.

Quando tudo se acalma, a casa é embalada pelo silêncio e o dia se torna apenas mais um, Seu Wladimir se senta na sacada de seu apartamento e conta, um por um, os grandes navios que passam enfileirados no horizonte. Envolveu-se tanto por esse momento solitário e particular, que estudou as rotas e sabe o destino de cada um deles, a hora exata que passam e de onde vieram. Para não se esquecer de nenhum, desenhou uma tabela detalhada no computador. Como amigos íntimos, chega a cumprimentar, saudosista, um navio que não via há muito tempo.

Dona Marli, sua fiel e agitada companheira, não era a única que tinha dificuldade em entender como ele conseguia ficar lá fora por tantas horas. “Ao invés de olhar os barcos de longe, vamos logo embarcar em um, Dido! Que perda de tempo, homem...”, dizia. Seu Wladimir planejava fazer essa viagem. Algo fez com que deixasse pra depois...

A cadeira que o acomodava na varanda continua lá. A tabela, o binóculo e o copo de whisky, já incolor pelo gelo derretido, também. O chapéu panamá, que protegia seu rosto do sol com estilo, achou estranho que até agora não saiu do armário. Tudo está intacto, sem Seu Wladimir. Essa noite o desfile de barcos passará despercebido pela praia de Pitangueiras, transportando pessoas de um ponto ao outro, sem razão poética de ser. 

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