terça-feira, 24 de abril de 2012

Puta que pariu, Augustino!

Muitas pessoas evitam ao máximo falar palavrões. Ao bater com o dedinho do pé na quina da cama se contorcem, mordem o lábio e, quando dá tempo de pensar, soltam um “poxa vida”, para não correrem o risco de se acostumar ao desabafo libertador que só uma palavra pesada proporciona.

Augustino sempre foi um homem muito bravo, fã de palavrões sujos. Invocava com as filhas quando essas, ainda jovens, queriam sair para namorar, “tudo vagabunda”. Reclamava com a mulher que não preparou seu jantar da maneira ideal, “vaca mole e folgada”. Achava que ninguém seria capaz de fazer algo tão bem feito quanto ele mesmo, por isso sempre se colocava a frente e agia. Até completar 68 anos de idade ainda cortava a grama do próprio quintal, já que o jardineiro era um “filho da puta” incompetente. Pintava as paredes porque, aparentemente, o pintor era um “daltônico viado”.

Em um desses acessos de raiva, Augustino subiu no telhado de sua casa para mostrar ao “merda do encanador” que a origem do vazamento estava na caixa d’água. Enquanto gritava com o rapaz que o observava lá de baixo e tentava acender seu cigarro ao mesmo tempo, escorregou.

- Puta que pariuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu!

Toda a vizinhança pôde ouvir no volume máximo.

A família, apreensiva, não sabia quais consequências Augustino sofreria ao acordar, na UTI, sem uma parte do cérebro. Visualmente, a cabeça ficara um pouco torta, faltando um pedaço significativo na lateral. Mas ninguém, nem ao menos um “merda” de um médico, sabia informar com precisão o quanto o acidente afetaria a sua vida.

Na manhã fria em que ele acordou, a mulher e as filhas estavam na sala de espera do hospital. Ao notar que abrira os olhos, a enfermeira saiu correndo, pedindo que a família viesse com urgência ao quarto.

Cercados de olhares, Augustino checou se os braços e pernas estavam funcionando. Abriu os lábios lentamente e, sem se dar conta da atmosfera de expectativa que envolvia aquele quarto, falou, visivelmente aliviado:

- Puta que pariu!

Desde então, seu extenso vocabulário reduziu-se a essa única frase.  Para festejar é “puta que pariu”. Reclamar, “puta que pariu”. Se emocionar, “puta que pariu”. No bairro, já é conhecido. Na padaria, supermercado e banco, todos estão habituados a, logo pela manhã, o verem cruzar a porta e cumprimentar a todos com naturalidade.

- Puta que pariu!

Continua bravo. Não se conforma que a faxineira não entenda suas detalhadas instruções na base do “puta que pariu, puta que pariu, puuuuuuta que pariu...”.

Não se sabe se, dentro de sua cabeça, existe algo além da frase. A família, com poucos recursos, desistiu de buscar uma confirmação médica para saber se o “puta que pariu” ficou como última lembrança antes da queda. A meu ver, dentro de uma rica coleção de palavrões, exausto por tantos anos criativos, escolheu o melhor para ser seu fiel companheiro. “Puta que pariu” expressa mais do que a Fernanda Montenegro em um palco de teatro. É pra saúde, riqueza, pobreza, alegria e doença. Puta que pariu!

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