segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

A calçada e suas pedras coloridas


Entre pequenos saltos e passos tão largos que desequilibravam seu corpo, Nina escolhia cuidadosamente cada pedra que seria tocada por seus pés na calçada. Desde que saíra da prisão colo/carrinho decidiu que seu caminho seria trilhado de acordo com as pedras coloridas. Vista de fora, era uma criança a divertir-se e atrasar a mãe apressada. Mas, para Nina, cada pedra era um signo a ser respeitado e analisado.

Cercada por uma realidade feita de bonecas, maquiagens e meninas tão críticas quanto mulheres de 30, Nina era esquisita. Não se importava com vestidos, fitas e presilhas de cabelo. Tentou, mas suas amizades não duravam mais do que dois dias. Porém, o mais engraçado é que não se importava com isso. Dificilmente se dava conta das diferenças discrepantes perante as colegas de sala. Apenas seguia as pedras coloridas e imaginava o que encontraria quando elas acabassem. Achava as outras garotas bobas por se envolverem com tão pouco, diante da riqueza de possibilidades na calçada.

Para Nina, cada uma das pedras significava uma escolha. Essa escolha a direcionava para determinado mundo, entre os tantos que haviam de existir por aí. Às vezes, antes de dormir, detalhava cada um deles. Então percebia a dificuldade que enfrentaria para chegar onde queria, com tantas pedras a serem pisadas. Uma única pedra poderia desvia-la para outro mundo e, talvez, fazer com que nunca encontrasse o caminho de volta ao ponto de partida. Perdia o sono com essa hipótese. Ainda assim, levantava cheia de vontade de arriscar.

Em uma terça-feira qualquer, a caminho da escola, seu irmão mais velho ria e implicava com a distância de três metros entre Nina e o resto da família. Claro que ela estava para trás. Precisava pensar antes de pisar nas pedras. “Uma vez eu vi em um programa de televisão que isso é uma doença, sabia? Essa doença deixa as pessoas loucas, pulando de pedrinha em pedrinha. Aí, depois de um tempo, a pessoa morre”, ele disse.

Nina nem notou a repreensão da mãe diante da brincadeira do irmão. Apenas ficou paralisada, com uma das pernas no ar e as sobrancelhas arqueadas. Uma doença... Então não existiam mundos diferentes. Ela era a única diferente ali, a louca.

Desde então, se esforçou para fingir interesse com a Barbie Tropical em uma das mãos. Sorriu para as colegas quando elas comentaram sobre um seriado da TV e dançaram uma coreografia sincronizada. Desiludida e triste, porém com a certeza de que este é o único mundo que está ao seu alcance, atuou por muitos anos, até se esquecer de que era apenas uma atriz e se enxergar como protagonista de um mundo que detesta. Nina perdeu o caminho de volta ao ponto de partida e agora caminha conforme os demais.

Um comentário:

  1. A gente vai crescendo e sofrendo a pressão da pseudo necessidade de encaixe nos padrões e estereótipos que nos perdemos de nós mesmos. Foda! Aí as calçadas ficam cinzentas, que nem nossa alma.

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