sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

O dia em que Maria saiu da vala


Com as pupilas dilatadas, ombros alinhados e cabelos bagunçados, Maria cancelou o guincho e saiu sozinha da vala. Embriagada de coragem, não pensou nas pernas de elefante que suportaria ao caminhar fora daquele espaço tão familiar. Em seu dia de dolo eventual, agiu.

Toda a bagagem acumulada ao longo de anos platônicos fora queimada após poucas horas longe da vala. O que começou em faísca se dissipou com um beijo de brisa. Não restou tempo para que Mauro conhecesse seu prato favorito, medos ou verdades. Antes, durante e após o incêndio, Maria não se reconheceria em seu reflexo. Falava e ria como a mulher que gostaria de ser, mas não era.

Ao deixar o plano da imaginação, o conservante perdeu seu prazo de validade. Alimentados de expectativa, Maria e Mauro não se permitiram revelar suas identidades. Apegados ao quadro que pintaram um do outro, esperavam nada além daquela imagem.

Após despejar uma porção de culpa na vala e outra em seus pés, Maria já não se empenha em entender as cinzas que restaram. Mauro não a conheceu, apenas saiu do imaginário. Aliviada, ela percebeu que prefere a rachadura, a ferida latejante, a vergonha e a raiva, do que a estagnação da vala. Caminho sem volta, moça Maria.

Nenhum comentário:

Postar um comentário