quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Antes de Portugal


Josefina adora seu nome. Uma homenagem aos avós que nunca conheceu, José e Marina, não consegue imaginar outro nome tão bonito quanto o seu. Por outro lado, se tortura por que ninguém, nem ao menos sua mãe, já lhe disse que ela é linda. “Josefina é tão engraçadinha”, “Josefina é charmosa, né?”. Nunca contou a ninguém, mas, ao se analisar em frente ao espelho enquanto escova os dentes pela manhã, se acha tão bonita... Mesmo com pasta no queixo.  

Cansada de coisa nenhuma, plantou coragem em um algodão e decidiu viajar sozinha. Portugal, para não correr o risco de não entender o idioma. Em contato com uma tia que mora no país, para não correr o risco de ficar sem teto.

Malas prontas, mapas e guias. Embarca no dia seguinte, uma terça-feira. Como toda segunda, foi à padaria da esquina e pediu o café com leite de sempre. Percebeu que a “sua” mesa estava ocupada. Conheceu Danilo, que de tanto receber seus olhares de agulha, cedeu o lugar. Esqueceu as malas, a passagem e a tia, ora pois. 

Meio Eduardo e Mônica, Danilo era o oposto. Em cinco minutos a convenceu a experimentar o café de caramelo, ficar descalça em público e retomar as aulas de balé. Em plena segunda-feira, perdeu o relógio.

Ele quase rasgou a passagem ao receber a notícia. Mas o pagamento já foi quitado. A tia avisada. O estoque de absorventes comprado. Seis planilhas no Excel para seis meses de viagem. E, no fim do dia, já ajudava-a a fechar a última mala, até ofereceu carona para o aeroporto. Josefina acabou por tentar se convencer de que não era para acontecer. Melhor isso do que sofrer. Chegou a queimar o céu da boca com o café de caramelo e agora lamenta a perda de alguém que nunca teve, nem ao menos conheceu.

Ela não se revoltou, raspou o cabelo, fez tatuagens e participou de uma orgia. Mas desejou cada uma dessas coisas em segredo. Nas noites em que o passatempo é lamentar, lembra de Danilo. Arrepende-se de não ter feito nada e nada faz sobre isso. Acorda, faz uma caminhada, come mamão com granola, vai para o trabalho, volta para casa, assiste televisão e dorme. Mais um dia riscado do calendário.

Planeja surtar. Só Josefina seria capaz de planejar um surto. Assim que acontecer, dia 17 de janeiro de acordo com o gráfico, vai mandar o mundo à merda, aparecer na casa de Danilo e convidá-lo para limpar a pasta de dente do seu queixo pela manhã. Mas não hoje. Hoje está ventando.


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