quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Calendário de um dia só

Que satisfação sentiu ao acordar e se dar conta de que não se tratava de uma manhã qualquer. Era uma manhã do dia 22 de janeiro. Entre tantas datas esquecidas, aniversários sem desejar felicitações e luto sem lembranças, dia 22 de janeiro brilha no calendário de Madruga. Isso porque, até três anos atrás, só atingia o brilho com ajuda química.

E que brilho! A primeira vez que Marcelo Ugarte da Silveira experimentou ecstasy, aos 19 anos, teve certeza de que não havia no mundo sensação igual aquela. Na rave em que estava com dois amigos, as mulheres formavam um exército de Gisele Bündchen’s, todos os presentes eram amigos de infância, o lugar lembrava um quadro que retrata o paraíso e, além de tudo, descobriu que era o Michael Jackson da música eletrônica. Confiante e transbordando alegria, sentia cada rajada de vento que tocava seu braço enquanto sorria, dançava e conversava sobre tudo, da criação do mundo ao mercado de venda de pamonhas de Piracicaba.

Preferia o ecstasy que a maconha. Isso porque o mesmo galanteador das raves se encolhia como um tatu-bola quando fumava. Conforme o uso aumentava, de brinde ganhava mais uma dose de timidez. “Eu comecei a reparar que perdia, vamos dizer, o meu “xaveco”. A maconha, de certa forma, substituía as mulheres pra mim. Isso me tira do sério até hoje. Como trocava mulheres por maconha?”, questiona Madruga.

Foi no ano de 2002 que a história realmente começou a mudar. Já havia experimentado maconha, ácido e ecstasy. Que diferença faria acrescentar mais uma experiência? De acordo com Marcelo, quando a cocaína tocou a campainha parecia inocente, mas foi a responsável pelo enterro do brilho. “Caí em um buraco. Fui interromper o uso só após seis anos, quando nasceu a consciência de que outras pessoas conseguiam levá-la numa boa, mas eu não”, conta. Entre madrugadas curtas e tardes sem fim, gastava R$60 por dia em papelotes do pó.

Hoje, a viagem que fez anos passarem como um suspiro foi substituída pela fantasia de uma realidade paralela. Nessa realidade Madruga, que agora está mais para Matutino, é médico. Com a cabeça erguida caminha pelos corredores do hospital, usa linguagem técnica ao explicar por que a senhorinha está com tosse e sabe exatamente o efeito da cocaína, mas nunca a provou. “Penso em como deve ser incrível olhar pra própria pele e saber exatamente como é por dentro”, imagina.

Entre sonhos e arrependimentos, Marcelo conta o apoio dos amigos, trabalha em uma empresa com princípios ecológicos e comemora cada 22 de janeiro como se dele dependesse sua vida.  

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