sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Veneno de Sarita


Sarita estava radiante. Brilho no olhar, brilho nos dentes, brilho nos cabelos e brilho nas unhas. De emprego novo, ganhando bem para fazer o que ama, além de namorado igualmente novo, com corpo e alma recheados de satisfação.

Finalmente, após anos mudando a cor dos cabelos, encontrou a que combinava perfeitamente com seu rosto. Esse fato aconteceu na mesma semana da entrevista do tal emprego, bem como da primeira transa com o atual namorado. Sem mais nem menos, sua vida estava o que se pode chamar de perfeita.

Ao se dar conta de como tudo havia se encaixado, foi subitamente tomada pelo medo. Medo do momento em que o jogo viraria, que perderia todas as peças. Preocupada e esperando a reviravolta que, a seu ver, acontece com qualquer um que tem uma vida de perfeição, imaginava um acidente de carro toda vez que dirigia sem companhia. Assim que o namorado ligava o chuveiro, fantasiava que, se olhasse seu celular, encontraria uma troca de mensagens em que ele dizia à ex que nunca a esqueceu. Toda segunda-feira, ao atravessar a porta do escritório, ouvia, dentro de sua cabeça, um discurso de demissão. 

Seu rosto mudou, transformando-a em uma ameixa viva. O olhar se tornou desconfiado, qualquer um poderia ser o responsável por acabar com a sua felicidade. Refém de si mesma, trancafiou-se em uma concha de desespero, afastando qualquer pequeno sinal de alegria por medo do que viria em seguida.

Prefere a tristeza, o estágio de sua adolescência. A esperança de que o melhor ainda está por vir. A vontade de correr atrás e a admirável coragem que tanto foi elogiada por amigos e parentes. Não isso. Com a conquista, o que resta? A ambição, o querer sempre mais? Sarita pede para o tempo voltar atrás, para a mesa de bar e lamentações. O azar, as dúvidas. A tristeza é o veneno que a deixa secretamente feliz.

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